terça-feira, 27 de setembro de 2011

CONFISSÕES DE UM BEBERRÃO -- o fígado é mais importante que o coração.

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Nada combina mais com um homem que um balcão de bar, um copo americano e os apelidos distintos dado ao dono do boteco; Ô chefia; Camarada; Bigode; Campeão; Corintiano;

Reconhecemos como nossa segunda pele os antigos azulejos quadrados com desenhos que parecem ter sido criado para botecos. Nos lembra talvez a saia da mãe e a vontade de se enfiar debaixo dela agarrando-lhe a perna quando temos problemas.  Um boteco de São Paulo e um boteco no Acre provavelmente terão o mesmo modelo de azulejos. 

As marcas do fundo do copo no balcão de madeira são nossas digitais, elas dizem tudo sobre nós.

Não estou falando de baladas, pubs ou bares refinados. “Tô falando de buteco”,
daqueles de esquina, de porta de aço, toldo azul, de mesas e cadeiras de ferro com rótulos de cerveja estampado em sua face. Onde não existe banheiro feminino.

Assim como uma igreja, um boteco jamais terá um ar alegre, pois são como um templo aonde vamos para refletir, para encontrar o equilíbrio da alma perdendo o equilíbrio do corpo. Embriagamos o corpo, a alma jamais, é por isso que o bêbado nunca esquece o caminho de casa.

As compotas de vidro com água amarelada são as imagens que cultuamos, onde prendemos nossos olhos e de joelhos oramos. Os ovos de codorna se transformam em olhos que nos vigiam e nos oferecem sua misericórdia diante dos pecados que já cometemos, estamos cometendo e com certeza iremos cometer aos montes.

Os amendoins são as hóstias que nos lembram de nossa carne ferida, castigada, salgada de suor latejante, lembra-nos de todo nosso sacrifício diário por quem amamos.

A cerveja, claro, representa nosso sangue sagrado que arregaça nossas veias e desce por nossa garganta levando ao ápice do dia.

A cervejada é nossa Santa Ceia, quando dividimos o pão com nossos irmãos. Irmãos sim, pois no boteco, nós homens dividimos o mesmo ventre da angústia.

O bar é nosso cantinho da leitura.

Alguns homens tentaram burlar as leis do templo levando o bar para casa. Em vão.

Taças de cristal, vinhos do porto, whiskys importados, esposas e crianças correndo em volta não combinam com boteco.
O serviço self service não combina com boteco.
É preciso os santos ouvidos do balconista para o desabafo.
É preciso o balcão como nosso confessionário.
É preciso a gordura no teto que faz do bar nossa Capela Sistina.
É preciso o som das pedras do dominó como música ambiente.

Carpetes não combinam com boteco. O chão precisa estar escorregadio pelos goles oferecidos aos santos.

É preciso um solo sagrado para se construir um boteco, sagrado, ungido por Deus, os anjos e os santos. San Remy, São Francisco... Estão todos lá.

E como em toda seita há um dia sagrado para se conectar ao paraíso, as sextas-feiras estão aí para não me deixar mentir.

Nós homens estamos para as mulheres como os muçulmanos estão para o Ocidente. Somos autodestrutivos em busca da paz eterna.

Se engana quem pensa que o ato de beber e encher a cara é prejudicial.

O álcool é o yoga do homem.

De fato, os problemas são aniquilados com o álcool, mas na ressaca eles voltam, todos eles, com o agravante da dor de cabeça e a sede. Porém é preferível a paz durante algumas horas do que nunca alcançá-la.

É quando o coração do homem é substituído pelo fígado.

E neste caso, é melhor que o homem preserve o órgão certo. O fígado é o ombro amigo, bem mais importante que o coração.


Bento.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

CHEGA DE CULPA.

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É curioso como a garota entra na loja de doces aos pulinhos e sorriso amarelo ao comprar chocolates pela segunda vez. Isso é a culpa de saber que gorda ela já está, mas mente para si mesma dizendo “um a mais não vai matar”.

E o fumante que quer parar de fumar, "não sou viciado" ele diz. No meio da greve de nicotina experimenta um cigarrinho depois do pingado, afinal “algumas tragadas não me farão mal.”

O viciado em pornografia que esconde um ou dois filmes em cima do armário, que é “para a hora do aperto”.

A vítima do “pé na bunda” que ainda assim não deixa de ligar como se tudo corresse normalmente; “liguei só pra saber se está bem”.

***

Uma vez me chamaram de mentiroso e fiquei “emputecido”. O único que pode dizer isso de mim sou eu mesmo.

Sou o único alvo de minhas mentiras, com a cara deslavada me engano e gosto.

São mil desculpas que crio no caminho de casa, sou meu próprio marido traidor.

Discurso durante horas no pé do meu ouvido na esperança de me passar para trás.

Sou o eleitor e o elegível.

Sou a filha com a desculpa de estudar para a prova em grupo para na verdade ir ao cinema com o namorado, e sou a mãe que se orgulha da dedicação da filha aos estudos.

Sou o aluno que culpa o cachorro de comer seu trabalho escolar, e o professor que engole a desculpa  já gasta, sou até o cachorro réu desavisado.

Sou o que estaciona em lugar proibido e gasta o latim dizendo que foram “só cinco minutinhos”, e o amarelinho que ouve a mesma mentira pela décima vez no dia.

Sou novamente o cachorro que faz cara de coitado depois da arte e sou o dono que desiste do castigo por dó.

Tenho sido por um longo tempo a testemunha que me acusa do crime acabando com meu álibi.

Meu próprio carrasco, esperando pelas minhas últimas palavras e não faço nem questão de capuz. Não ligo se tiver meu próprio rosto gravado em meu último olhar.

Longo tempo de martírio, mas eu acho que já basta.

Passara muito tempo e sinto que sou o único a contar uma história que já não tem importância nem para os personagens principais, muito menos os coadjuvantes.

História essa que ninguém fez questão alguma de registrar nos livros didáticos.

Talvez tenha sido um conto que eu mesmo tenha criado dentro da minha cabeça como fiz com tantos outros.

Fingindo ser um e ser outro, um casal feito pelo autor. E o trouxa aqui teve de escolher encarnar justo o que ficou e sofreu, e chorou, e bebeu, e lamentou-se, e chorou, e sofreu de novo. Ao invés de me enfiar dentro do corpo de quem se foi e viveu, e viajou, e continuou, e viveu, e sorriu, e casou-se, e continuou, e sorriu, sorriu, e sorriu.

Nem em minha própria história eu me saí bem, com final feliz. Se me resta algo é sorrir - pior é que eu não me aguentei e tive mesmo que rir ao escrever isso – afinal chega a ser cômico mesmo, depois de ser trágico é claro.

Desde meu primeiro texto inocento minha cúmplice, tomando para mim toda a culpa do crime. Eu planejei, eu investi, criei todo o plano, eu comprei a arma, eu arrombei o peito, fui eu que abri a caixa torácica e matei o amor. Eu, eu, eu. Sozinho!
Crime sim, pois assassinar o amor é um baita de um crime bem ferrado. Aliás, ferrado fiquei eu, assumindo toda a culpa sozinho.

Perdi a oportunidade de me salvar quando lá estava eu num cubículo fechado, me fazendo companhia só o espelho e a mesa que talvez por falta de originalidade do decorador fizeram-na da mesma cor que as paredes, a porta, a luz e as cadeiras. Tudo igual, tudo monocromático, percebi que mais alguns minutos ali e eu ganharia a mesma cor da sala como um camaleão.

Isso só mudou quando finalmente o policial rechonchudo e bigodudo - eu poderia achar mais centenas de palavras com “udo” para descrevê-lo - senta-se com dificuldade, me entrega o café num copo descartável e me oferece um de seus cigarros. Algo no policial gordo me lembrava o Cupido adulto naquelas figuras italianas antigas “muito bem, me conte o que aconteceu” e eu explico toda a história sem tocar no nome dela.

“Agora me fale de sua cúmplice . Era agora. Foi exatamente nessa hora que eu deveria ter aberto minha maldita boca e a denunciado para que ela também levasse a culpa e fosse punida pelas leis do amor, mas ao invés disso eu disse  não haver cúmplice nenhum como eu já citei acima.

Depois o Policial-Cupido-Obeso chegou a me oferecer algumas garantias como alívio da pena, prisão diferenciada e etc. Mas eu não dei ouvidos. Grande besteira eu fiz da minha vida.

Agora vocês já sabem como vim parar aqui, eu bem que poderia fazer como os outros detentos e escrever um livro confessando meus segredos para a sociedade livrando-me da culpa que me consome, “mais ou menos eu já não faço isso?” - mas não! Preferi tomar outro caminho, pois se eu que criei essa história, agora vou editá-la e contá-la no meu ouvido. Uma história diferente, eu já fui tantas vezes vítima de minhas próprias mentiras, uma a mais, uma a menos.

Mas neste final, eu serei o personagem principal do “Felizes para Sempre”.


Bento.

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ATRASADO, SEMPRE ATRASADO.

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Ouvi minha mãe dizer uma vez que eu nasci antes da hora, algumas semanas apenas. Sem aquela fragilidade de bebês prematuros, incubadoras e etc.

E dizem que prematuros são por natureza impacientes, eu, definitivamente concordo. Chego atrasado para não ter que esperar, faço as contas dos minutos sem me dar o luxo de errar. E me atraso, é claro.

Penso no caminho já de antemão, pego becos e atalhos, e me atraso, como sempre.

Talvez a máxima de que eu chegue atrasado ao próprio enterro se aplica ao meu caso, mas ao velório, esse eu tenho certeza.

Eu ao contrário do que os outros dizem, creio que nasci tarde de mais.

Poderia ter nascido nos anos 60 e ter conhecido os primórdios do rock n roll, mas me atrasei.

Poderia ter nascido nos anos 70 e conhecido o movimento hippie e tudo que este inspirou, mas cheguei tarde.

Algumas coisas da minha vida eu tendo a dar valor um pouco tarde demais, hoje vi uma de minhas namoradinhas de infância e ela estava linda, bem sucedida, e claro, muito bem acompanhada. Lembra-se do texto que postei? - Ex Namoradas - É por aí!

De qualquer forma ainda acho que sou um privilegiado, deixando de lado todos os erros e tropeços eu me considero um cara de sorte.

Tive a oportunidade de ter os dedos cortados por linhas com cortante que eu mesmo fazia artesanalmente juntando cacos de vidros dentro de latas, do tempo que óleo vinha em latas de aço, jogada na avenida, as rodas dos carros faziam o trabalho do martelo e o vidro saia da via todo moído.

Sou do tempo que bolinhas de gude leiteiras valiam a honra do jogador.

Pude ver os quatro Trapalhões vivos e juntos.

Eu sei o que é “Toca do Coelho”.

Pude trocar tampinhas por Io-Io da Coca-Cola.


Sou do tempo que peão era mais do que aqueles que montam em cavalos, no meu tempo peões eram enrolado em barbantes e desenrolados com precisão na rua de terra para que pudesse rodar o maior tempo possível, assim como a vida, lutando para ficar de pé.

Sou do tempo que fazíamos brinquedos com as próprias mãos, onde pedaços de madeira e aço eram surrupiados para que se transformassem em carrinhos de rolimã que eram bem mais legais que bicicletas, e fazíamos carretas dos carrinhos juntando um no outro, assim, além das cicatrizes, adquirimos humildade ao carregar os amigos conosco em nossos carros, dividindo o que tínhamos e caíamos todos junto ao final da curva. Sofrendo juntos.

Sou do tempo que vídeo game era com fita, que dependia de sopros para funcionar e esperávamos que com isso tivesse um melhor desempenho, e o controle era muito mais pornográfico tendo o codinome de BANANA, essa coisa de joystick veio bem depois. Quem jogou ATARI sabe do estou falando.

O fato é que aproveitei toda a infância como deveria, na rua e com amigos disputando quem tinha mais cicatrizes. Porém também sou da época da TV por assinatura e logo depois a imagem digital, HD e 3D.

Também sou da época do computador e internet, caixa eletrônico e banco online.

Sou da época do bilhete único e carro movido à eletricidade.

Pude ver o Brasil ser TETRA e PENTA. Vi Romário e Ronaldo jogarem juntos e formarem um dos ataques mais FENOMENAIS da história do futebol. Vi meu time do coração ganhar todos os seus títulos nacionais e até mundial com seu maior ídolo em campo, podendo assim fingir mesmo que por alguns minutos que era eu a estar no lugar dele.

Pude ver o renascimento do fusca.

Sendo assim, me vejo como um privilegiado, podendo participar de duas eras completamente diferentes, mudando junto comigo, como se o mundo passasse pela mesma puberdade que eu, sofrendo com primeiros amores e as espinhas assim como eu. Lado a lado amadurecemos.

E hoje comparamos nossas cicatrizes.


Bento.

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domingo, 4 de setembro de 2011

ONDE ESTÁ WALLY?

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Quem nunca brincou de Onde Está Wally?

É mais ou menos assim que será daqui para frente.

Eu, estudante de jornalismo que sou, e como todos, sedento de notícias e informações, obtive a única novidade da qual eu desejava não ter, nunca. Como todos, um ponto fraco.

De agora em diante toda esquina, ponto de ônibus, bares, padarias, estações de metrô, todos os lugares eu procurarei um Wally.
Em todos os lugares avistarei alargadores, tatuagens e cabelos desgrenhados.

Mesmo em cômodos fechados procurarei, arrastarei móveis, abrirei gavetas, dentro de caixas guardadas há anos não ficarei sem passar os olhos. Vou duvidar de todas as portas fechadas com chave. Será que está ali o Wally?

As cortinas serão retiradas para evitar esconderijos, não deixarei sequer uma vez de olhar por debaixo da cama. Os monstros da infância eu saudarei como um qualquer, pois não é quem eu procuro.

Inconscientemente, em segredo, sei que unirei forças com São Longuinho com promessa de pulos por horas a fio. E todos os pulos serão poucos.

Vou duvidar de espelhos e como num filme de terror os vultos me enganarão.

Meus olhos serão Arlequins abusando de minha boa vontade e caçoando da ingenuidade inevitável.

O curioso de tudo isso é que se eu pudesse escolher, se me perguntarem sobre o tal do Wally, sinceramente, eu prefiro nem começar a brincar.

Quero os jogos de tabuleiro, sempre me dei melhor com cartas e jogos eletrônicos.

Mas será sempre o maldito mapa da praia com salva vidas, o guarda sol e a bola vermelha que consumirá toda a minha atenção sabe Deus até quando.

Era bem mais suportável quando eu sabia da impossibilidade de encontrar o personagem que acena para todos destilando sua maldita felicidade invejável.


Bento.

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

QUE DIFÍCIL!

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Eu pensei em começar o texto e logo veio a palavra difícil.
Achei muito carregado, meio para baixo, esse é um daqueles textos que você não sabe porque começa e muito menos sabe como irá acabar.

Qualquer semelhança com a vida aí de alguém pode ser sim, só mera coincidência. E então pensando nisso, sobre a vida, achei que não era hora de usar tal palavra tão cedo.

O fato é que escrever me acalma e não está fácil manter-me tranquilo e alheio ao rumo que a vida segue até então.

Olha eu falando da vida de novo, difícil não usar a palavra difícil quando as mãos não são nada mais que pés, ou corre ou fica quieto, parado, sem nem uma cócega.

Já que comecei a falar sobre quando as coisas não estão tão fáceis- para evitar a outra palavra- reparei que algumas coisas se repetem com o tempo. Trocam-se os personagens, as falas, trocam-se até os papéis.

Pense num menino abrindo o livro de ciências, na página do sistema solar.

Pense nos fatos da vida como os planetas a dançar ciranda como na infância em volta do sol e neste caso, deixando o egocentrismo de lado, o sol é você.

Assim como os planetas, alguns fatos demoram mais que os outros para completar o seu ciclo, com o tempo esses fatos sofrem transformações e se deterioram, mas na essência, continuam sendo os mesmos velhos fatos, mas não se enganem...

Por mais que saibamos os nomes dos planetas, não conhecemos a maioria deles.

Assim fica mais difícil.


Bento.

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