quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ESSA "VELHITUDE" AMARGA COMO CACHAÇA DE ALAMBIQUE


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Quando eu, numa conversa qualquer, de bar ou mesmo dividindo um cigarro na porta do trabalho, digo que já sou velho, presencio sempre as mesmas reações: "como velho? Vinte e poucos só." e mais "Cê é jovem ainda, tem a vida toda pela frente". Esta última é a que mais me chamou atenção pela controvérsia da frase e eu explico; a vida toda da tartaruga, por exemplo, dura mais de cem anos. CEM anos. Já a vida toda da borboleta dura um dia.
O que eu quero dizer é que para viver a "vida toda" basta nascer e morrer.

Na minha adolescência eu tinha derramadas em meus ouvidos àquelas teorias malucas e histórias saudosistas pelos adultos e principalmente pelos velhos de ter rugas até na orelha e achava tudo muito chato. Hoje, adulto, me pego tentando ajuizar um primo ou amigo mais novo que eu e penso que pelo menos sou um velho mais legal, no mínimo. Mas ainda um velho.

Eu sou do tempo que se fumava em qualquer lugar, prédios, elevadores, bares, tudo.
Lembro-me da minha mãe me dando bronca na escola com o cigarro na mão. O cigarro era a dica de que se ela precisou apelar para a nicotina é que a surra estava virando a esquina de casa.

Um dos motivos que faziam das surras visitantes indesejadas era minha teimosia de ir ao fliperama, coisa que Dona Cida, minha mãe, proibia. Notaram? Fliperama! Que coisa mais antiga, ninguém vai ao fliperama hoje em dia, os jogos estão dentro de casa.

Por falar em surras, lembro-me das brigas de garotos na rua. Por motivos idiotas que naquela idade eram seriíssimos, bem como, pipas, futebol na rua e figurinhas. Brigávamos e todos os outros garotos ficavam em volta como uma rinha de galos. Cada um fazendo suas apostas e torcendo por um ou outro lutador.
No entanto, aquelas lutas não atrapalhavam a amizade, duas ou três horas e estávamos todos sentados na calçada bolando uma molecagem para aprontar. Não sabíamos o que era rancor naquela época. Hoje em dia tudo é resolvido com armas e morte.
O mundo está mais intolerante e rancoroso.

Eu sei, devem estar imaginando agora um senhor pós-crise de meia idade falando sobre isso, mas de fato é no mínimo intrigante que eu com meus vinte poucos anos me sinta tão distante das pessoas que nasceram apenas uma geração depois da minha.

Falando em geração, ouço sempre pais, mães e tios exclamarem que a juventude de hoje perde-se em temperamentos e perde-se na juventude boçal. Quanta hipocrisia. Repito com exclamação e tudo: quanta hipocrisia e ignorância!

Com exceção daqueles jovens que vieram ao mundo através dos ovos da cegonha a juventude de hoje e de amanhã são crias dos mesmos velhos ensandecidos que ridicularizam as atitudes “aborrecentes”. É o criador reclamando da própria cria. Seria mais ou menos como olhar no espelho e queixar-se de sua própria imagem e semelhança.
Pura hipocrisia digo eu. Velhos passando o atestado de seus fracassos. Pudera. Deram-nos os mimos que não tiveram, agora chupem.

No entanto, tudo isso é tão antigo que eu mesmo me vejo inadequado. Atualmente tudo é o mais sombrio possível, até impossível.
Evidentemente que não são os pipas, as conversas nas calçadas e fliperamas que vão fazer tudo menos entediante. São outras coisas mais carnais. Talvez, mais sentimentais. Ô gente para ficar sentimental, nós que somos velhos.
Quer coisa mais tediosa que aparar pelos do nariz?


Eis que já me vejo na fofoca da janela. Ou então, até quem sabe, aos dominós de manhã com o aroma de pão fresco da padaria.


Bento.

sábado, 12 de janeiro de 2013

O QUE É MEU É SEU E O QUE É NOSSO É SÓ SEU


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Eu já tive crises existenciais sobre minha escrita. Daquelas de pensar em tocar o foda-se e não escrever uma linha sequer. Digo isso pelo fato de por um bom tempo achar que as pessoas deveriam ler o que escrevo e entender da forma que eu gostaria. Interpretar do jeito que transpirei cada palavra e vírgula, mas isso é de uma utopia tamanha. Quando você vai ao cinema e paga para assistir um filme o final é de quem escreve, a história é de quem escreve, mas a sensação que você tem quando a tela escurece, ou quando joga o saco de pipoca no lixo é só sua.

Quando você ouve uma música a história é do autor, mas a emoção das lágrimas é só sua e de mais ninguém. E é aí em que tudo faz sentido. Um texto nunca é só um texto, um conto nunca é só um conto. São vários dentro de um mesmo esqueleto, como se houvessem várias personalidades dentro de um mesmo indivíduo. É só por isso que escrever é um ato tão solitário, a companhia está nas letras que preenchem os espaços vazios como a alma. Os nomes das personagens de um livro são do autor, do âmago mais profundo de uma imaginação doente de vaidade, mas a face, o tom da voz, os cenários, os sorrisos, são frutos da imaginação de cada leitor. Ninguém pode prever nem controlar isso. É como a primeira impressão, você não conhece nada de um sujeito que acabaram de lhe apresentar, no entanto já tem todo um perfil e uma história improvisada na sua mente sobre ele que, claro, depois de se conhecerem melhor você verá o tamanho da discrepância da realidade para o que acreditou ser.

Cada linha, cada estrofe, só é assinada para alimentar e fomentar a vaidade do artista, pois, na prática, o dono é quem lê, não importa para onde a história te leva, sempre é possível dar um rumo diferente se quiser. Cada obra é uma vida sem destino.



Bento.

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domingo, 6 de janeiro de 2013

A TRANSA DA SORTE COM O DESTINO. E TODOS OS VIZINHOS OUVIAM OS GEMIDOS

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Eu tive medo, é certo que tive. Poucas coisas me assustam e aquilo me assustava mais que o próprio susto. Mais até que criança no primeiro dia de escola.

Bem, eu sou durão, casca grossa, logo, lutei contra o medo. Me esquivei, mas levei jabs nos pontos cegos, nos pontos fracos. Eu sou ágil e me mexia no ringue, porém, os cruzados rompiam minha guarda como o álcool rompe a timidez.

Em certo momento eu beijava a lona e tudo indicava que desistiria. Por dentro eu já pedia água. Ela poderia jogar a toalha, deveria ter jogado. Quem não jogaria? Eu estava assustado e digo de boca cheia, poucas coisas me assustam. Nem a morte, nem a vida. Nem demônios e eu tenho inúmeros e já até dei apelidos carinhosos a eles. Domino a arte de blindar-me contra qualquer coisa que me faça mal, pois a vida me viciou assim.

Ainda caminhava na noite e já tinha medo da manhã que aguardava sua jornada. Era como uma mão de cartas baixas. Sabe-se que vai perder e que para ganhar precisaria da colaboração do Destino. Mais que isso até, precisaria de uma boa transa do Destino com a Sorte, com direito a declarações de amor após o cigarro e café dá manhã na cama. Romantismo demais para seres tão terrestres. Eu tinha por mim que perderia as fichas, sairia da mesa de cabeça baixa e bastaria rezar por sobras e migalhas.

Eu, assustado, só não gritei por minha mãe para não cair humilhado. Mas ao cair, vi a toalha que deveria estar na lona em minha companhia em meu rosto e nas mãos dela. Mãos pequenas, quentes e firmes. Ela poderia me ajudar a levantar, mas não, preferiu me agasalhar em seu abraço. Eu não quis. Na verdade, eu queria, Deus! Como eu queria, mas pra quê? Tem coisas que é melhor não guardar na memória. É isso que seria. Uma lembrança indesejada e eu já tenho várias delas guardadas em grandes caixas de presentes antigas e charutos que já não existem mais.

Ela poderia convencer-me a desistir e dizer que ficaria tudo bem. Ao invés disso, eu disse. O sangue lavando meu rosto até empapar o calção e eu ali, dando-lhe razão novamente. "Eu, eu, eu" ela dizia. E eu a presenteei com a razão novamente. Eu aprendi, ela também vai, cedo ou tarde, que já não importa mais. Nesta hora, quando chega a ocasião, não importa mais. Não há vencedores. O certo é só o que ficou lá atrás.


Bento


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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

BIRRA DE PENSAMENTOS

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O primeiro nome que vem em mente é sempre o mesmo, depois eu me adapto. Como se fosse por grau de importância, mas não, é sempre o mesmo. Bem como começar um texto, as frases desconexas de início tomam sentido no fim. Nelson Rodrigues disse uma vez que a parte mais difícil de escrever era o começo, depois que começa tudo flui naturalmente.

É aí que começa toda reflexão daqueles que como eu, transforma o tédio em pensamentos infundados, como cruzadinhas de passatempo, plástico bolha e outros meios de jogar a vida fora. É uma forma de fazer sentido, ou tirar sentido de onde não tem e, na falta de êxito, façamos com que tenha menos sentido do que antes. Chega a parecer beicinho de criança que não pôde comer a sobremesa antes do jantar. Reflexivos como eu têm por passatempo achar sentidos e se não, fazemos birra com os próprios pensamentos e embaralhamos tudo para que ninguém mais consiga.

Suspeito que utilizo desta mesma ferramenta ao tratar de meus problemas pessoais. Na tentativa de achar algum significado em toda merda que acontece culpo o Destino, Deus, o diabo e claro, me culpo também. Procuro em todas as gavetas de meu inconsciente, nas prateleiras de minha imaginação e no buraco mais fundo do peito qualquer pista de que eu possa fazer algo para mudar a trajetória do projétil que sempre teima em atingir minha têmpora todas as vezes que acordo e percebo que tenho todas as noites o mesmo sonho, só muda o cenário, porém o mesmo sonho. Contínuo andando em círculos de anseios, demências e desconfiança de que o meu normal é esse, o passado é que estava fora do eixo.

Sempre que passo o tempo analisando o desfecho de minha biografia faço a mesma analogia. Penso naquelas fotos de revista com dicas de emagrecimento. Antes: as senhoras gordas como orcas, flácidas como leões-marinhos e uma vaidade destruída por nossa sociedade da magreza totalitária e sem modéstia. E o Depois: as mesmas senhoras vestidas apenas com umas das pernas de calças tão grandes que serviriam a um gigante de contos infantis como a do " João e o pé de feijão". O meu mal é que não sou nem a gorda, nem a magra, sou a calça que é deixada de lado após servir de prova de que está bem melhor agora sem ela. Mas quem é que acredita nessas malditas fotos, heim? Bom, eu não sou muito de acreditar nas coisas mesmo.

Tenho o hábito de zombar das coisas que não acredito e isso sempre passa a impressão de um punhado de arrogância aos olhos limitados de quem se aliena por reflexões alheias. Não que isso tenha alguma importância, afinal, basta um belo par de peitos no caminho, o placar da última rodada no jornal de um usuário qualquer do metrô, uma mensagem da operadora de celular me cobrando créditos do pré-pago ou me lembrar do empréstimo de um livro na biblioteca vencido no dia anterior para desfazer todo e qualquer significado em que eu pudesse estar atingindo e voltar a realidade tediosa e mortal de trabalho e contas a pagar, e quem sabe onde e quando, voltar a embaralhar meus devaneios novamente.


Bento.

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